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sábado, 18 de dezembro de 2010

Ligéia - Edgar Allan Poe - Parte 1

JURO PELA MINHA ALMA que não posso lembrar-me quando, ou mesmo precisamente onde, travei, pela primeira vez, conhecimento com Lady Ligéia. Longos anos se passaram desde então e minha memória se enfraqueceu pelo muito sofrer. Ou, talvez, não posso agora reevocar aqueles pontos, porque, na verdade, o caráter de minha bem-amada, seu raro saber, sua estranha mas plácida qualidade de beleza e a emocionante e subjugante eloqüência de sua linguagem musical haviam aberto caminho dentro do meu coração, a passos tão constantes e tão furtivos que passaram despercebidos e ignorados. Entretanto, acredito que a encontrei, pela primeira vez, e depois freqüentemente, em alguma grande e decadente cidade velha das margens do Reno.

Quanto à família... certamente ouvia-a falar a seu respeito. Que fosse de origem muito remota é coisa que não se pode pôr em dúvida. Ligéia! Ligéia! Mergulhado em estudos, mais adaptados que quaisquer outros, pela sua natureza, a amortecer as impressões do mundo exterior, é apenas por aquela doce palavra, Ligéia, que na imaginação evoco, diante de meus olhos, a imagem daquela que não mais existe. E agora, enquanto escrevo, uma lembrança me vem, como um clarão: que eu jamais conheci o nome de família daquela que foi minha amiga e minha noiva, que se tornou a companheira de meus estudos e finalmente a esposa de meu coração. Fora uma travessa injunção de Ligéia ou uma prova da força de meu afeto que me levara a não indagar esse ponto? Ou fora antes um capricho de minha parte, uma oferta loucamente romântica, no altar da mais apaixonada devoção?

Só confusamente me lembro do próprio fato. Mas há alguma coisa de admirar no ter eu inteiramente esquecido as circunstâncias que o originaram ou o acompanharam? É, na verdade, se jamais o espírito de Romance, se jamais a pálida Ashtophet, de asas tenebrosas, do Egito idólatra, preside, como dizem, aos casamentos de mau agouro, então com mais certeza presidira ao meu. Há no entanto, um assunto querido, a respeito do qual a memória não me falha. É a pessoa de Ligéia. Era de alta estatura, um tanto delgada, e, nos seus últimos dias, bastante emagrecida. Tentaria em vão retratar a majestade, o tranqülo desembaraço de seu porte, ou a incompreensível ligeireza de elasticidade de seu passo. Ela entrava e saía como uma sombra. Jamais me apercebia de sua entrada no meu gabinete de trabalho, exceto quando ouvia a música de sua doce e profunda voz, quando punha sua mão de mármore sobre o meu ombro.

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